NOTA POP: Joanne é mais Stefani do que Lady Gaga

Em 2016, algumas divas pop resolveram apostar suas fichas em novos gêneros musicais. Foi o caso de Rihanna e de Beyoncé, por exemplo. Enquanto a dona do hit Work mergulhou no alternativo para criar o ANTI, Beyoncé, por sua vez, cavou suas raízes, e além do R&B, usou até o country para compor o empoderado Lemonade. Mas cadê o pop? Bem, o conjunto das duas obras ainda é pop, porém, por algumas faixas não serem tão comerciais assim ou por não seguirem a onda do momento nas rádios, são confundidas e criticadas como o recém-lançado Joanne, de Lady Gaga.

Após vazar uma semana antes da data de lançamento oficial, Joanne chegou nas lojas e nas plataformas digitais na última sexta-feira (21). Com uma pegada mais country, Lady Gaga deixou a excentricidade de lado e trocou as batidas eletrônicas por sons de instrumentos reais. Para isso, ela escalou um time de produtores de peso, alguns deles como Mark Ronson (Amy Winehouse, Adele e Bruno Mars) e Kevin Parker, fundador da banda de rock Tame Impala.

Em Joanne, — título dado em homenagem à tia da cantora, que morreu aos 19 anos de idade devido ao lúpus — Lady Gaga exala todas as suas referências musicais e desabafa seus sentimentos nas 14 faixas do disco. Em começar pela faixa introdutória Diamond Heart, onde a cantora comenta o início da carreira difícil nos bares de Nova York. 

"Jovem, louca, americana/ Tentando ser alguma coisa/ Fora da escola, dançando por aí/Por algum dinheiro", conta Gaga num trecho da música.

 A-YO, segundo single do disco,  é uma música contagiante e com muita referência no country. O instrumental e o vocal de Gaga lembram as canções Americano (do Born This Way) e Manicure (do Artpop). Dancin' In Circles, outra música do álbum, segue o mesmo estilo, porém considero ser mais pop que A-Yo. Nela, Gaga pede para o parceiro pegar seu par de botas para que eles possam se divertir no centro da cidade. É nesse clima de garota do interior que a cantora aproveita pra falar de sexo. Tem gente que acredita que a canção fala sobre masturbação.

Além de Mark Ronson e Kevin Parker, no disco Gaga possui parceria com outros músicos. Em John Wayne, a cantora trabalhou com o vocalista da banda Queen of Stone Ages, Josh Homme, que além de ter ajudado a compor a canção, ainda participa da mesma tocando guitarra nos lembrando levemente o som de Arctic Monkeys.  Com Father John Misty, Lady Gaga criou duas músicas: Come To Mama —  que me faz lembrar os Beatles — e Sinner's Prayer, que também lembra o som dos Artics.

Mas a parceria mais evidente no disco fica em Hey Girl, onde Gaga divide os vocais com Florence Welch, do Florence and The Machine. Na música, que possui uma vibe meio setentista retrô acompanhada de sintetizadores eletrônicos misturados  com bateria, as vocalistas versam sobre o apoio feminino. Soa como se elas estivessem conversando pelo telefone. Uma das minhas preferidas do cd.

No álbum, Gaga também homenageou a tia com uma canção. Em Joanne, ao som acústico de um violão, a sobrinha pede que a tia fique junto à ela:

Pegue minha mão e fique, Joanne/O Céu ainda não está preparado pra você/Cada parte do meu coração machucado/Precisa de você mais do que os anjos precisam

A música foi composta apenas por Gaga e Mark Ronson e também possui a produção de Bloodpop. Também entra na minha lista de preferidas.

Outra balada poderosa do Joanne é sertaneja Million Reason — Sério, ela lembra muito o nosso sertanejo! É uma canção que fala sobre término de um relacionamento. Ela possui uma produção bem simples, onde podemos se apaixonar pela combinação voz de Lady Gaga + piano + letra.  Não sei confirmar se tem haver com o fim do relacionamento da cantora com o ator Taylor Kinney, mas arrisco dizer que é a melhor do álbum. Gaga a compôs com a compositora Hillary Lindsay que também participa na produção como backing vocal.

Em pelo menos uma das faixas do Joanne, Lady Gaga trabalhou com um produtor conhecido de longa data dos little monsters. Ninguém menos que RedOne — grande responsável pelas batidas nostálgicas de hits como Poker Face e Just Dance. A parceria entre os dois está na incrível Angel Down, canção composta por Gaga como protesto contra o assassinato do adolescente negro Trayvon Martin, morto com um tiro em 2012 nos EUA.

Por último e nem por isso a menos importante temos que falar do pseudo-rock Perfect Illusion, canção composta por Kevin Parker, Lady Gaga, Mark Ronson e Bloodpop. Ela foi escolhida como carro-chefe do disco e não foi tão bem recebida pela crítica, sendo considerada o pior single de estreia da carreira de Lady Gaga. A má recepção também pôde ser percebida pelo público através dos charts. Apesar de ter estreado em #15 na tabela musical da Billboard, nas semanas seguintes a canção não parou cair. No Youtube a mesma coisa. Após um mês, o clipe de Perfect Illusion não alcançou nem 40 milhões de visualizações ainda.

capa do disco Joanne

Um aviso: não se deixe levar pelo primeiro single do álbum. Felizmente Joanne vai muito além de Perfect Illusion. É um experimento de uma grande artista, onde ela encarna um novo alter-ego só que desta vez mais humano e próximo da realidade, falando de amor, vida pessoal e do o que ela bem entender. Não tem vestido carne, figurinos estranhos ou botas gigantescas. Trata-se apenas de Lady Gaga retornando ao início da carreira, fazendo o tipo de música que ela sempre quis fazer, indo ao contrário dos desejos de uma gravadora. Desta vez não é a imagem dela chamando atenção e sim sua música.